Sobre meu motivo para escrever
Dizem que arte é a ponte que liga o invisível ao visível.
Se isso for verdade, e sei que é, a escrita para mim é a ponte de comunicação entre minha mente, meu coração e meu espírito.
Escrever é uma vontade que brota de dentro de mim para garantir que tudo o que vivi, pensei, refleti e senti seja registrado.
É tudo tão valioso que não merece ser entregue à volatilidade da minha memória.
Lugares, pessoas, sensações e pensamentos – tudo isso existiu e ainda existe em mim.
Espero que por meio das palavras que virão a seguir, essa ponte seja construída e meu anseio por perpetuar essas experiências seja aliviado.
Breve a vida, longa a arte!
O caminho até começar o caminho
O caminho começou antes mesmo de eu partir.
Sempre soube, que um dia embarcaria nessa jornada.
Sabia que esse dia seria marcado por novos ciclos e assim aconteceu.
Será que as palavras têm poder, ou será que tudo já estava escrito?
Meu pai foi meu maior incentivador.
“Você precisa fazer isso, Carol”, ele me repetiu diversas vezes.
Mas eu já sabia que precisava. Sempre soube.
A passagem foi comprada, a mochila emprestada, alguns vídeos no YouTube, e três livros: “O Alquimista”, o clássico, lido há uns dois anos atrás onde tudo começou com Santiago em busca de sua lenda pessoal; “O Diário de um Mago”, que, confesso, não terminei, mas que aguçou ainda mais minha curiosidade sobre o Caminho; e um livro de uma peregrina conhecida de uma amiga da minha mãe, intitulado “Km São Só Detalhes”.
Não senti a necessidade de me preparar muito.
Eu já estava preparada. Meu corpo, minha mente e minha vida.
Era o momento.
O trabalho podia esperar, a rotina, a família, a sociedade, as incessantes demandas internas e externas.
Era preciso sair da bolha, emergir à superfície, respirar e me libertar.
Podem parecer coisas de pouca importância, mas muitas vezes deixamos que os outros nos ditem o que achamos que devemos fazer de nossas vidas e nessa brincadeira colocamos nosso caminho na estrada dos outros.
Sempre tive dentro de mim um espírito animado que busca por mais e que sabe que existe algo melhor, mais verdadeiro e mais real do que a maioria se faz acreditar.
Tenho orgulho por não ser conformada, por ser curiosa, ávida por conhecimento e experiências transformadoras.
Acredito que enquanto estivermos abertos ao conhecimento, nossa alma, nossa mente e nosso corpo viverão com vitalidade.
Viver exige coragem. Coragem de se arriscar, de querer algo além, de querer mudar, procurar, e até mesmo de errar: é preciso ter coragem para errar.
E essa viagem era sobre mim e a coragem de ser eu mesma.
Desta vez, eu queria ser apenas a Carol, ou melhor, a Carolina.
Prazer, Carolina.
E o dia chegou.
Lá estava eu, indo passar um verão na Europa, para atravessar o norte da Espanha sozinha, andando, em busca de mim mesma e da minha lenda pessoal.
Era eu e minha mochila. Aberta aos aprendizados que o destino colocasse no meu caminho.
É preciso que deixe-me frisar como poucas sensações na vida são tão instigantes quanto essa.
The Alquimist
“Quando você deseja algo, todo o Universo conspira para que seu desejo se torne realidade.”
Oi Espanha, Oi França
Cheguei em Madri, onde fiz uma conexão para Pamplona.
Do aeroporto de Pamplona, peguei um táxi para o centro, onde ficava a rodoviária e a próxima etapa da viagem. Era manhã e ainda tinha algumas horas de sobra, então aproveitei para tomar meu primeiro café com leite da viagem em um café que encontrei pelo caminho, enquanto esperava a Decathlon abrir.
Tinha perdido meus bastões na alfândega – aff! – e precisava comprar outros. Eu iria precisar deles para minha aventura.
Na Decathlon, encontrei meus bastões azuis que combinavam com minha mochila e minhas unhas. Também comprei um carregador externo.
Dei uma volta para absorver a atmosfera espanhola, gastei um pouco mais de tempo na cidade, mas confesso que não quis me aprofundar muito, pois sabia que em três dias estaria lá novamente e queria deixar a experiência completa para o momento certo.
Por fim, chegou a hora do almoço, o horário do ônibus que me levaria até Sant Jean Pied de Port na França. A viagem levaria cerca de duas horas e, no ônibus, já me deparei com os primeiros peregrinos. Lembro-me de observá-los e imaginar o que teria em comum com eles.
Fui olhando o caminho e percebendo que nos dias seguintes faria o trajeto inverso, caminhando.
“De ônibus é tão rápido”, pensei.
A paisagem começou a mudar, era claro que se aproximava a divisa entre a Espanha e a França. Era uma cena mais montanhosa, com um clima um pouco ameno e nublado, um pouco bucólico. Um estilo diferente de construções. Já me sentia nos Pirineus. Já queria sair falando francês.
Eu havia estado nos Pirineus em dezembro de 2022, com minha mãe e minha irmã. Passamos alguns dias esquiando em Andorra e o fato de estar naquelas montanhas foi essencial para mim naquele momento. Depois de praticamente 6 meses, lá estava eu novamente ouvindo e atendendo “the Pirineus´s call”, em outra região, mas ainda assim, aos pés do maciço daquelas montanhas emblemáticas.
O ônibus parou no ponto final, e foi lá que eu desci. Sant Jean Pied de Port, um pequeno vilarejo de poucas ruas, no meio das montanhas, com um ar que só o interior da França é capaz de ter: cafés, lojinhas, pequenos restaurantes, um riozinho que cortava a cidadezinha charmosa de ruas de pedra, um artista de rua tocando violão acústico na porta da igreja, ruínas, pontes, peregrinos com suas mochilas e seus bastões por todos os lados. Eu cheguei faltando alguns minutos para as duas da tarde, que era justamente o momento em que o escritório de peregrinos abriria, e eu precisava ir até lá.
Finalmente estava lá. Wow, era verdade.
Fui andando e já vi que o albergue que havia reservado ficava praticamente ao lado do office. Então, aguardei alguns minutos na fila, que se formou rapidamente pela ruazinha principal da cidade.
A primeira pessoa que falou comigo na viagem foi Mike, um senhor de Nova York, professor, empolgado com sua primeira vez pelo caminho. Conversamos rapidamente e já tive a primeira experiência de auto apresentação e conversa em inglês.
Senti que meu inglês ainda estava um pouco enferrujado, mas me saí bem. Eu adoro falar Inglês!
Depois, descobriria que várias pessoas que estavam na fila junto comigo e que passaram batido na hora, se tornaram grandes amizades. Tudo no seu tempo.
Chegou a minha vez: “English, please. Carolina Hebeisen, brasillian, 28 years old. Yes, this is my first time doing the Camino! I plan on finishing it in 31 stages, and plan on going all the way to Santiago de Compostela or maybe Finisterra.”
O senhor francês que me atendeu foi atencioso e ao mesmo tempo corriqueiro. Ele me disse que o movimento estava menor do que o esperado para a época e que eu não deveria ter problemas em encontrar lugares para ficar ao longo da rota, provavelmente não seria necessário fazer reservas prévias. Ele me deu um “guia do peregrino” com uma lista de todos os povoados ao longo da rota, todos os refúgios, números de emergência e assim por diante. Também me deu um mapa e uma rota altimétrica de cada etapa, além do meu passaporte de peregrina onde eu deveria coletar os carimbos por onde passasse, e no final ganhar o certificado.
Me falou também sobre o percurso que percorreria no dia seguinte ser bem montanhoso e considerado o mais difícil do caminho e que eu deveria tomar cuidado na última descida por que estava muito escorregadia por conta da chuva.
Tudo estava muito completo, claro e organizado.
E, por fim, mas não menos importante, escolhi minha concha, minha viera, de uma pilha delas.
Não sei se fui eu que escolhi ou foi ela que me escolheu.
Agora sim, eu me sentia oficialmente uma peregrina!
Fui para o albergue Gitê Malika fazer o check-in e deixar minha mochila. O albergue era uma gracinha. No meu quarto tinham 6 camas separadas, com cortinas para dar mais privacidade, um banheiro, uma escrivaninha e uma porta que saia para um quintal externo da casa com vista para as montanhas.
Aproveitei que o quarto estava vazio e tomei um banho para tirar o ar de aeroporto de mim.
Como não haviam armários, achei prudente sair para desbravar St. Jean de mochila mesmo.
Estava achando o visual de peregrina descolado e queria mais era mostrar a todos na cidade que eu fazia parte do grupo que, em 1º de julho de 2023, começaria a peregrinação pelo Caminho Francês de Santiago de Compostela.
Andei pelas ruas que beiravam o riozinho.
Me sentei em um café para tomar minha primeira taça de vin blanc.
Maintenant j’ai l’impression d’être en France!
Andei mais, atravessei as pontes, voltei, andei novamente pelas ruazinhas. Entrei em uma lojinha de chocolate artesanal e comprei um maravilhoso chocolat au lait et caramel beurre salé.
Voltei para as margens do rio em um gramado que o beirava e por lá me sentei por alguns minutos enquanto comia o chocolate e escrevia sobre meu primeiro dia em meu novo carnet de voyage que acabara de comprar.
Voltei ao hostel para colocar mais blusa e sair pra jantar.
Foi ai que conheci Elouise, a segunda personagem da jornada. Mais uma oportunidade de me apresentar e de dar uma resposta melhor do que a primeira que dei a Mike.
Elouise era francesa, dos subúrbios de Paris, na casa dos quarenta, loira e de olhos claros. Conversamos um pouco sobre motivos de estarmos lá e Elouise não hesitou em dizer que seu motivo não era religioso, e sim, apenas para viver a experiência de conhecer lugares e pessoas por outra perspectiva.
Ali foi a primeira vez que fiz e respondi a essa pergunta.
E sim, minha resposta mudou a cada vez que eu fazia e respondia.
Para ela, disse que meu motivo não era religioso, apesar de ser curiosa sobre o assunto. Contei a ela que esta era minha primeira viagem solo de verdade e que estava em busca de auto conhecimento e reconexão.
Eram sete horas da noite e cogitei convida-la para jantar, mas ela falou que estava cansada e já ia deitar. Só a vi no café da manhã no dia seguinte.
Pois bem, Je suis seul!
Ainda estava claro e decidi ir em um restaurante da esquina do hostel, uma casinha branca e charmosa que parecia ser comandada por uma família.
Pedi um prato de uma tostada de jamón com salada, que não gostei mas comi, e uma sangria.
Estava jantando sozinha quando apareceu um grupo de italianos, que pareciam estar juntos, e puxaram papo comigo.
Logo vi que o que falava comigo, que por sinal era o mais comunicativo de todos, era cego e estava de braços dados com uma mulher. A mulher depois conheceria melhor, a Karen, que por sinal não era italiana, e sim da California.
Seu nome era Mattia, ele se apresentou e me perguntou se eu gostaria de caminhar com eles no outro dia. Bem, eu tentei recusar da forma mais educada possível. Não me senti conectada ao grupo de forma nenhuma, e achei precipitado fazer alianças logo de cara. Queria andar sozinha.
Depois parei pra refletir como alguém que é cego, tem coragem em fazer o caminho sozinho. Uau!
Dei mais umas voltas, subi pelas ruinas até o topo do vilarejo, onde fiquei observando algumas cabras e ovelhas pelos morros durante o pôr do sol tardio.
Fiz a volta por toda a ruína da fortificação, vi alguns símbolos e passagens que representavam o início oficial da rota de peregrinação.
Andei um pouco mais aproveitando as ultimas luzes do dia e passei por de baixo da Porta de Santiago, uma emblemática passagem que representava o início oficial da peregrinação.
Foi só depois de ter garantido que andei por todo o vilarejo, por volta das nove da noite que retornei ao hostel e me preparei para dormir.
Minha mente estava aérea, ansiosa e sentia que precisava descansar.
Ao contrário do que pensei, consegui dormir rapidamente apesar do fuso horário de 5 horas a mais.
Amanhã promete!
Bonne nuit, à demain!
Continua….
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