
por José Victor Valentini Francisco – Médico Cardiologista CRM: 168.055 / RQE: 1213811
Benefícios do exercício físico para a saúde cardiovascular
O Exercício Físico e a Saúde Cardiovascular
O exercício físico regular é um dos pilares da prevenção cardiovascular. Meta-análises com mais de 100 estudos prospectivos mostram que indivíduos com maior atividade física de lazer (p. ex. caminhar, correr ou pedalar) têm riscos relativos 20 % a 30 % menores de doenças cardiovasculares, coronarianas e AVC em comparação com quem é sedentário[1]. O ganho parece seguir uma curva em U: aumentar a prática até ~20-25 metabolic equivalent (MET)-horas/semana (o equivalente a 5 horas de atividade moderada ou 3 horas de intensa) reduz o risco, mas volumes superiores não trazem proteção adicional[1]. Em idosos com ou sem doença cardiovascular prévia, cada ~ 8.3 MET -horas /semana (cerca de 1 h 30 min de caminhada rápida) reduziu a mortalidade por todas as causas em 11 % nos indivíduos sem doença e em 16 % nos que já apresentavam doença cardíaca[2].
Esses benefícios incluem não apenas menor mortalidade, mas também melhora de fatores de risco. Uma revisão sistemática que combinou ensaios clínicos e estudos de coorte revelou que pessoas com níveis elevados de atividade física apresentam redução de 29 % no risco de doença cardiovascular e melhora na pressão arterial e na glicemia; o comportamento sedentário, por outro lado, aumenta o risco em 34 %[3].
Coração de Atleta: Adaptações Cardíacas Fisiológicas
O coração de atletas apresenta adaptações estruturais e funcionais em resposta ao treinamento. Esportes predominantemente dinâmicos (endurance), como corrida e ciclismo, submetem o ventrículo esquerdo (VE) a sobrecarga de volume, levando à hipertrofia excêntrica: aumento do diâmetro da cavidade e espessura de parede proporcional. Já esportes de força com grande componente estático (musculação, levantamento de peso) impõem sobrecarga de pressão, produzindo hipertrofia concêntrica com paredes mais espessas e cavidade relativamente menor[4].
Esportes mistos, como remo ou ciclismo, combinam ambos os estímulos e resultam em adaptações mistas.
Em revisão clássica sobre o coração de atleta, a espessura de parede raramente excede 13 mm (máximo ~16 mm) e o diâmetro da cavidade pode alcançar 60 mm em homens; a função sistólica e diastólica permanecem normais[4]. O ventrículo direito (VD) também dilata proporcionalmente, mantendo uma relação harmoniosa com o VE. Revisão mais recente, de 2024, reforça que o aumento de massa ventricular esquerda e volumes depende do tamanho corporal (massa livre de gordura) e que atletas de endurance apresentam maior espessura de parede e volume no VD, enquanto praticantes de força têm parâmetros semelhantes aos de indivíduos sedentários[5]. O artigo também destaca que as mulheres tendem a desenvolver hipertrofia excêntrica mais frequentemente que homens e raramente apresentam hipertrofia concêntrica[6].
Resumo das adaptações fisiológicas no coração do atleta:
- Hipertrofia excêntrica do VE: aumento do tamanho da cavidade e espessamento proporcional das paredes (comum em esportes de endurance)
- Hipertrofia concêntrica: espessamento das paredes com menor dilatação da cavidade (comum em esportes de força)
- Dilatação do ventrículo direito proporcional ao VE (marcante em atletas de endurance)
- Maior complacência ventricular, permitindo maior enchimento diastólico
- Bradicardia sinusal de repouso devido ao aumento do tônus vagal e menor atividade simpática
- Melhora da função diastólica com relaxamento ventricular mais eficiente
- Função sistólica preservada ou aumentada, com fração de ejeção normal ou elevada
- Remodelamento atrial (sobretudo do átrio esquerdo), o que pode predispor à fibrilação atrial em atletas veteranos
- Aumento da capilarização miocárdica, favorecendo a oferta de oxigênio
- Adaptação autonômica, com maior variabilidade da frequência cardíaca
- Alterações eletrocardiográficas fisiológicas: bradicardia sinusal, repolarização precoce, inversão de onda T em algumas derivações, etc.
Essas adaptações são fisiológicas, porém é importante distinguir coração de atleta de cardiomiopatias patológicas. O treinamento intensivo expõe principalmente o VD a pressões pulmonares elevadas; repetidos episódios podem, em indivíduos predispostos, contribuir para arritmias ou cardiomiopatia arrastada[7].
Atletas de Endurance, Arritmias e o Estudo VENTOUX
Praticantes de esportes de endurance de alta intensidade, sobretudo homens acima de 50 anos, apresentam risco aumentado de arritmias. Revisão de 2024 no Journal of Cardiovascular Development and Disease relata que atletas de endurance têm de 2 a 10 vezes mais episódios de fibrilação atrial do que não atletas. A relação entre exercício e fibrilação atrial segue um formato em J: níveis moderados de exercício protegem, mas treinamento muito intenso e prolongado aumenta o risco. O estudo mostra odds ratio de 2,46 para fibrilação atrial em atletas, chegando a 3,6 em atletas com menos de 55 anos[8].
A revisão sobre atletas masters também apontou um risco relativo de 1,88 para fibrilação atrial em corredores veteranos e relatou prevalências de fibrilação atrial superiores a 30 % em atletas de endurance acima de 40 anos. Essa revisão também discutiu calcificação coronariana acelerada em atletas de endurance – apesar de algumas placas calcificadas, a morfologia tende a ser estável, e a excelente aptidão cardiorrespiratória parece compensar eventuais riscos[9].
O estudo VENTOUX trouxe novas evidências sobre o impacto do endurance de longa data. Essa coorte acompanhou 106 ciclistas/triatletas veteranos (homens ≥50 anos que treinavam ≥10 h/semana havia ≥15 anos). Quase metade dos atletas (47,2 %) apresentou fibrose miocárdica focal identificada por realce tardio de gadolínio na ressonância magnética[10]. Durante o seguimento, 23 % tiveram ao menos um episódio de arritmia ventricular; 2,8 % apresentaram taquicardia ventricular sustentada e 18,9 % taquicardia ventricular não sustentada[10]. A presença de fibrose aumentou em 4,7 vezes o risco de arritmia ventricular[10]. Esses dados sugerem que treinamento de endurance muito prolongado pode induzir cicatrizes no ventrículo esquerdo e aumentar o risco de arritmias, embora o estudo tenha limitado número de participantes e não possa ser generalizado para todas as populações de atletas[11].

Onde está o “sweet spot”: benefícios máximos com segurança
As evidências apontam para um equilíbrio entre benefício e risco. Realizar 150–300 minutos de atividade moderada ou 75–150 minutos de atividade vigorosa por semana (aproximadamente 20–25 MET-h/semana) é eficaz para reduzir mortalidade e eventos cardiovasculares, sem aumento significativo de arritmias[1]. Já volumes extremados (>60 MET-h/semana) parecem não trazer benefícios adicionais e podem aumentar o risco de fibrilação atrial e fibrose ventricular.
O “sweet spot” não se refere apenas ao volume, mas também à variedade de estímulos. A atividade física deve incluir exercícios aeróbicos, mas integrar musculação mostra benefícios adicionais. Uma meta-análise recente concluiu que 30–60 minutos/semana de musculação reduzem o risco de mortalidade por todas as causas em 17%, de eventos cardiovasculares em 18 % e de câncer em 9 %[12]. Esse estudo evidenciou uma curva em J para a musculação: acima de ~130–140 min/semana os benefícios desaparecem e podem surgir efeitos negativos[13].
A combinação de treino aeróbico e musculação potencializa os ganhos. Um grande estudo envolvendo mais de 216 mil idosos observou que pessoas que combinavam musculação e exercício aeróbico apresentavam redução adicional de mortalidade. Entre aqueles que praticavam 0,1–10,75 MET-h/semana de exercício aeróbico, o risco de mortalidade total diminuiu de 0,95 para 0,80 (hazard ratio) quando a musculação subiu até ≥2 h/semana [14]. Para indivíduos que executavam 10,75–29,75 MET-h/semana de atividade aeróbica, a adição de musculação reduziu o hazard ratio para 0,74 [14]. O estudo também mostrou que grandes volumes de musculação (>2–3 h/semana) não trazem benefícios adicionais e podem até diminuir a vantagem [15].
O atleta híbrido: musculação + endurance e envelhecimento saudável
O conceito de “atleta híbrido” combina treinos de endurance com musculação. Essa estratégia parece oferecer benefícios superiores tanto para desempenho quanto para saúde cardiovascular e envelhecimento. A revisão de estratégias de treinamento para longevidade observou que a associação de exercícios cardiovasculares e de força confere maiores reduções de mortalidade do que cada modalidade isolada [12]. O mesmo artigo destaca que praticar musculação cerca de duas vezes por semana (aproximadamente 40–60 minutos/semana) produz benefícios máximos e que volumes muito elevados podem reduzir ou perder o efeito positivo [12][13].
A musculação traz ganhos de massa e força muscular, aumento do metabolismo basal, redução da gordura visceral, melhora na pressão arterial, na sensibilidade à insulina, no perfil lipídico e na densidade óssea [16]. Esses efeitos criam um “arcabouço” muscular robusto, importante para o envelhecimento saudável, pois combatem a sarcopenia (perda muscular) que ocorre com o avançar da idade. Um estudo de coorte com idosos mostrou que peso-treino em qualquer volume reduziu 6 % a 8 % a mortalidade cardiovascular; quando combinado com exercício aeróbico, a redução foi maior, sobretudo em indivíduos com baixo a moderado volume de atividade aeróbica [17].
Portanto, tornar-se um atleta híbrido não só melhora a performance esportiva, mas também ajuda a equilibrar a carga de treino, reduzindo a monotonia do endurance puro e o risco de arritmias associados a altas cargas de resistência, enquanto constrói um sistema musculoesquelético que favorece a longevidade. Segue tabela com meta-análises comparando treinamento de resistência (RT), aeróbico (AT) e combinado (CT) em fatores de risco cardiovascular em intervenções de 2 a 6 meses.

Considerações Finais
A literatura científica demonstra que atividade física regular é fundamental para a saúde cardiovascular, mas o excesso de exercício de endurance pode gerar adaptações cardíacas que, em alguns indivíduos, se associam a arritmias e fibrose.
O “sweet spot” parece situar-se em torno de 20–25 MET-h/semana de atividade aeróbica moderada a vigorosa, acrescida de 30–60 minutos de musculação distribuídos em duas sessões semanais. A combinação de modalidades não só otimiza a redução de mortalidade como fortalece o sistema músculo-esquelético, sendo particularmente relevante para atletas masters e indivíduos em busca de envelhecimento saudável.
Para atletas de endurance que desejam desempenho e longevidade, recomenda-se periodizar o treinamento, incluindo semanas de recuperação, monitorar sintomas (palpitações, fadiga excessiva) e realizar avaliações cardiológicas regulares. O investimento em treino híbrido – aliando resistência e força – emerge como abordagem promissora para colher os benefícios do esporte enquanto se minimizam os riscos ao coração.
Referências
[1] Leisure-time and occupational physical activity and risk of cardiovascular disease incidence: a systematic-review and dose-response meta-analysis of prospective cohort studies – PMC https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC11044601/
[2] Frontiers | Impact of Physical Activity on All-Cause Mortality According to Specific Cardiovascular Disease https://www.frontiersin.org/journals/cardiovascular-medicine/articles/10.3389/fcvm.2022.811058/full
[3] Association between sedentary behavior, physical activity, and cardiovascular disease-related outcomes in adults—A meta-analysis and systematic review – PMC
https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC9632849/
[4] Athlete’s heart – PMC
https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC1767992/
[5] [6] [7] The athletes heart—from acute stimulus to chronic adaptation – PMC https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC11837337/
[8] Atrial Fibrillation in Elite Athletes: A Comprehensive Review of the Literature – PMC https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC11508555/
[9] Cardiovascular Remodeling and Potential Controversies in Master Endurance Athletes—A Narrative Review – PMC https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC12300461/
[10] Ventricular Arrhythmia and Cardiac Fibrosis in Endurance Experienced Athletes (VENTOUX) – PubMed https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40675176/
[11] Scar tissue in athletes’ hearts tied to higher risk of dangerous cardiac rhythms | American Heart Association https://newsroom.heart.org/news/scar-tissue-in-athletes-hearts-tied-to-higher-risk-of-dangerous-cardiac-rhythms
[12] [13] [16] Training Strategies to Optimize Cardiovascular Durability and Life Expectancy – PMC https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC10121111/
[14] [15] [17] Weight training and risk of all-cause, cardiovascular disease and cancer mortality among older adults – PMC
https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC11147802/

José Victor Valentini Francisco
Médico formado pela Faculdade de Ciências Médicas de Santos (FCMS), com residência em Clínica Médica pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, onde também atuou como médico assistente no Pronto-Socorro Central (PSCT). Especializou-se em Cardiologia e Cardiologia Intervencionista no Hospital do Coração de São Paulo (HCor), onde também realizou fellow em Intervenções em Cardiopatias Estruturais, com ênfase em TAVI, no ano de 2023. Possui título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e em Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista pela Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (SBHCI), com certificação específica em TAVI por esta última. Atualmente, atua como hemodinamicista nas cidades de São Paulo e Campinas, além de integrar a equipe da unidade de terapia intensiva do Hospital do Coração. Amante da vida ativa, é atleta amador de triatlo e entusiasta de esportes de endurance.