
Quando falamos em Creatina hoje, pensamos em um dos suplementos mais estudados, seguros e eficazes do mundo. Mas sua trajetória é longa e curiosa: começa em um laboratório francês do século XIX e atravessa quase 200 anos de ciência, esportes e descobertas.
As origens no século XIX

Em 1832, o químico francês Michel Eugène Chevreul isolou uma substância cristalina inédita a partir da carne. Inspirado pela etimologia grega (kreas = carne), batizou-a de creatina.
Naquele momento, sua descoberta foi tratada como uma mera curiosidade acadêmica: uma nova molécula presente no músculo, mas sem função clara.
O despertar da ciência
No final do século XIX e início do século XX, fisiologistas começaram a investigar melhor a creatina. Logo perceberam que ela tinha papel fundamental no metabolismo energético, funcionando como uma reserva rápida de energia dentro dos músculos.
Era como se o corpo tivesse uma bateria interna, acionada em momentos de esforço intenso e de curta duração. Assim, a relação entre creatina e desempenho físico começava a se desenhar.
A virada do desempenho (décadas de 1920–1990)
No início do século XX, pesquisas comprovaram que a creatina participava diretamente da produção de ATP, a moeda energética do organismo.
Mas foi a partir das décadas de 1970 e 1980 que os estudos ganharam força: experimentos mostravam que a suplementação de creatina aumentava os estoques de fosfocreatina nos músculos, melhorando a ressíntese de ATP e, com isso, a força e a performance em atividades explosivas.

Nesse mesmo período, o fisiculturismo moderno crescia com ícones como Arnold Schwarzenegger e Franco Columbu. Os atletas buscavam treinos de força cada vez mais intensos e logo a creatina foi vista como um recurso estratégico para ganhos de potência e hipertrofia.
O fisiculturismo desempenhou um papel decisivo: ajudou a tirar a creatina do ambiente acadêmico e levou-a para o imaginário coletivo dos praticantes de musculação e esportes de força.
1992: Barcelona e a virada cultural
O momento decisivo veio com os Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992. Rumores se espalharam de que atletas de elite estavam usando creatina para potencializar o desempenho — de forma totalmente legal, já que a substância nunca foi considerada doping.

O noticiário esportivo abraçou a novidade. De repente, a creatina deixou de ser uma curiosidade científica para se tornar a “arma secreta” dos campeões.
O boom dos anos 1990

Com a visibilidade olímpica, a indústria de suplementos moveu-se rapidamente. A creatina ganhou espaço nas prateleiras de lojas especializadas, academias e até supermercados.
Sua promessa era clara e direta:
- mais recuperação.
- mais força;
- mais explosão.
O sucesso foi meteórico. Em poucos anos, a creatina se consolidou como o suplemento ergogênico mais popular do mundo, presente em treinos de fisiculturistas, velocistas, lutadores e atletas recreativos.
A creatina hoje: além da performance esportiva
Passadas três décadas, a creatina continua sendo um dos suplementos mais pesquisados, com milhares de artigos científicos atestando sua eficácia e segurança.
Mas sua aplicação foi além do universo esportivo:
- Saúde cerebral: pesquisas mostram impacto positivo em funções cognitivas e na proteção contra doenças neurodegenerativas.
- Longevidade: auxilia na prevenção da sarcopenia, preservando força e massa muscular em idosos.
- Clínica médica: tem sido estudada em protocolos para condições como depressão, esclerose múltipla e doenças neuromusculares.
Da curiosidade ao essencial
De um frasco em um laboratório parisiense do século XIX até o pódio olímpico e os consultórios médicos do século XXI, a creatina percorreu uma jornada impressionante.
De “molécula misteriosa” a suplemento essencial, ela se consolidou como um símbolo de energia, ciência e longevidade.
Referências
- Persky, A. M., & Brazeau, G. A. (2001). Clinical pharmacology of the dietary supplement creatine monohydrate. Pharmacological Reviews, 53(2), 161–176.
- Kreider, R. B., Kalman, D. S., Antonio, J., Ziegenfuss, T. N., Wildman, R., Collins, R., … Lopez, H. L. (2017). International Society of Sports Nutrition position stand: safety and efficacy of creatine supplementation in exercise, sport, and medicine. Journal of the International Society of Sports Nutrition, 14(1), 18.
- Wallimann, T., Tokarska-Schlattner, M., & Schlattner, U. (2011). The creatine kinase system and pleiotropic effects of creatine. Amino Acids, 40(5), 1271–1296.
- Harris, R. C., Soderlund, K., & Hultman, E. (1992). Elevation of creatine in resting and exercised muscle of normal subjects by creatine supplementation. Clinical Science, 83(3), 367–374.
- Wyss, M., & Kaddurah-Daouk, R. (2000). Creatine and creatinine metabolism. Physiological Reviews, 80(3), 1107–1213.